sexta-feira, 13 de julho de 2018


Viagem ao Céu
Monteiro Lobato

“Viagem ao Céu é uma grande incursão para os alunos poderem aprender sobre nossa galáxia, seus planetas e constelações. As informações são trazidas de maneira fácil e deliciosa, apesar de não serem muito aprofundadas. O livro pode ser prazeroso e interessante para leitores de todas as idades e em qualquer contexto, pois enredo e personagens são apaixonantes e instigam a curiosidade de quem sabe pouco e também de quem sabe mais.

Tatiane Kaori Hirayama


  Este é um dos trechos iniciais desta obra tão inspiradora. 


[...] Mas a necessidade de agitação é muito forte nas crianças, de modo que aqueles “abris-de-lagarto” tinham duração muito curta. Para Emília, a mais irrequieta de todos, duravam no máximo dois dias. Era ela sempre o primeiro lagarto a acordar e correr para o terreiro a fim de “desenferrujar as pernas”. Depois vinha fazer cócegas com uma flor de capim nas ventas de Narizinho e Pedrinho — e esses dois lagartos também se espreguiçavam e iam desenferrujar as pernas.

       A obra literária Viagem ao Céu do autor Monteiro Lobato privilegia a leitura aprofundada e as relações que o autor estabelece com autores relevantes da Ciência, Filosofia e Astronomia. Neste momento, os alunos terão a oportunidade de agregar conhecimento, pois o autor traz grandes pensadores, filósofos e astrônomos do passado; Galileu, Flammarion, Giordano Bruno.. .


           [...]
          — Que é, vovó, que a senhora está vendo lá em cima? Eu não estou enxergando nada— disse Pedrinho.
        Dona Benta não pôde deixar de rir-se. Pôs nele os olhos, puxou-o para o seu colo e falou:
        — Não está vendo nada, meu filho? Então olha para o céu estrelado e não vê nada?
        — Só vejo estrelinhas — murmurou o menino.
        — E acha pouco, meu filho? Você vê uma metade do Universo e acha pouco? Pois saiba que os astrônomos passam a vida inteira estudando as maravilhas que há nesse céu em que você só vê estrelinhas. É que eles sabem e você não sabe. Eles sabem ler o que está escrito no céu — e você nem desconfia que haja um milhão de coisas escritas no céu...
        — Desconfio sim, vovó, mas fico nisso. Sou muito bobinho ainda.
        — Bobinho como todos os grandes astrônomos na sua idade, meu filho. Os maiores sábios do mundo foram bobinhos como você, quando crianças — mas ficaram sábios com a idade, o estudo e a meditação.
        Narizinho interrompeu o tricô para perguntar:
        — Fala-se muito em sábio aqui neste sítio, mas eu não sei, bem, bem, o que é. Conte, vovó — e retomou o tricô.
        Dona Benta, quando tinha de dar uma explicação difícil, tomava um fôlego comprido, engolia em seco e às vezes até se assoprava resignadamente. Mas não falhava.
        — Os sábios, menina, são os puxa-filas da humanidade. A humanidade é um rebanho imenso de carneiros tangidos pelos pastores, os quais metem a chibata nos que não andam como eles pastores querem e tosam-lhes a lã e tiram-lhes o leite, e os vão tocando para onde convém a eles pastores. E isso é assim por causa da extrema ignorância ou estupidez dos carneiros. Mas entre os carneiros às vezes aparecem alguns de mais inteligência, os
quais aprendem mil coisas, adivinham outras, e depois ensinam à carneirada o que aprenderam — e desse modo vão botando um pouco de luz dentro da escuridão daquelas cabeças. São os sábios.
        — E os pastores deixam, vovó, que esses sábios descarneirem a carneirada estúpida? — perguntou Pedrinho.
        — Antigamente os pastores tudo faziam para manter a carneirada na doce paz da ignorância, e para isso perseguiam os sábios, matavam-nos, queimavam-nos em fogueiras — um horror, meu filho! Um dos maiores sábios do mundo foi Galileu, o inventor da luneta astronômica, graças à qual afirmou que a Terra girava em redor do Sol. Pois os pastores da época obrigaram esse carneiro sábio a engolir a sua ciência.
        — Por que, vovó?
        — Porque a eles pastores convinham que a Terra fosse fixa e centro do Universo, com tudo girando em redor dela.
        — Mas por que queriam isso?
        — Para não serem desmentidos, meu filho. Como os pastores sempre haviam afirmado que era assim, se os carneiros descobrissem que não era assim, eles pastores ficariam desmoralizados.
        — Ficariam com caras de grandes burros, que é o que eles são — berrou Emília indignada.
        Dona Benta suspirou.
        — Ah, meus filhos, eu até nem gosto de pensar no que os sábios têm sofrido pelos séculos afora... Aquela coitadinha da Hipácia, por exemplo...
        — Quem era ela, vovó? — quis saber a menina.
        — Hipácia foi uma sábia grega nascida em Alexandria no ano 370. Não só muito culta, como de grande beleza. O pai educou-a muito bem e depois mandou-a aperfeiçoar-se em Atenas, que era a Paris do mundo antigo. De volta a Alexandria, Hipácia abriu uma escola onde ensinava as grandes ideias de Sócrates e Platão. Tornou-se queridíssima do povo, sobre o qual derramava ondas de sabedoria. Pois sabe o que aconteceu com a coitada?
        — Casou-se e... — ia dizendo a Emília, mas Narizinho tapou-lhe a boca. — Que foi, vovó?
        — Mataram-na! Um grupo de capangas, instigados por um tal Bispo Grilo, atacou-a na rua, matou-a e esquartejou-a.
        Os quatro coraçõezinhos ali presentes pulsaram de indignação. Dona Benta
Continuou:
        — E a Sócrates, que foi um dos maiores iluminadores da ignorância dos carneiros, os pastores da época obrigaram-no a beber cicuta, um veneno horrível. E Giordano Bruno?Ah, este foi queimado vivo numa fogueira, no ano 1600 — sabem por quê? Porque era um verdadeiro sábio e estava iluminando demais a escuridão dos carneiros.
        — Queimado vivo! — repetiu Narizinho com cara de horror. — Eu nem consigo imaginar o que isso possa ser. Outro dia queimei o dedo na chapa do fogão — e doeu tanto, tanto... Imagine-se agora uma fogueira queimando a gente inteira — a pele, os olhos, o nariz, as orelhas, as mãos, tudo, tudo... — e a menina tapou a cara como para não ver a cena.

  Dona Benta deu um suspiro. [...]


          Uma leitura que pode ser acompanhada pelo professor que trará elementos para compreensão destes grande nomes do passado. Monteiro Lobato chama na história a dona Benta de "Flammarion de saias", pois ela tem um conhecimento profundo pelo Universo, além de uma paixão que fica muito clara na forma que coloca os grandes avanços da humanidade, através daqueles que ousaram olhar para o céu e ver.  O Pedrinho é o pequeno "Flammarionzinho", pois é o que consegue trazer a maior quantidade de informações do espaço para os outros personagens.

         Uma leitura que abarca corações em todas as idades !