Viagem ao Céu
Monteiro Lobato
“Viagem ao Céu é uma
grande incursão para os alunos poderem aprender sobre nossa galáxia, seus
planetas e constelações. As informações são trazidas de maneira fácil e
deliciosa, apesar de não serem muito aprofundadas. O livro pode ser prazeroso e
interessante para leitores de todas as idades e em qualquer contexto, pois
enredo e personagens são apaixonantes e instigam a curiosidade de quem sabe
pouco e também de quem sabe mais.”
Tatiane Kaori
Hirayama
Este é um dos trechos iniciais desta obra tão inspiradora.
[...] Mas a necessidade de agitação é
muito forte nas crianças, de modo que aqueles “abris-de-lagarto” tinham duração muito curta. Para Emília, a mais
irrequieta de todos, duravam no máximo dois dias. Era ela sempre o primeiro
lagarto a acordar e correr para o terreiro a fim de “desenferrujar as pernas”.
Depois vinha fazer cócegas com uma flor de capim nas ventas de Narizinho e
Pedrinho — e esses dois lagartos também se espreguiçavam e iam desenferrujar as
pernas.
A obra literária Viagem ao Céu do autor Monteiro Lobato privilegia a leitura aprofundada e as relações que o autor estabelece com autores relevantes da Ciência, Filosofia e Astronomia. Neste momento, os alunos terão a oportunidade de agregar conhecimento, pois o autor traz grandes pensadores, filósofos e astrônomos do passado; Galileu, Flammarion, Giordano Bruno.. .
[...]
— Que é, vovó, que a senhora está
vendo lá em cima? Eu não estou enxergando nada— disse Pedrinho.
Dona Benta não pôde deixar de rir-se.
Pôs nele os olhos, puxou-o para o seu colo e falou:
— Não está vendo nada, meu filho? Então
olha para o céu estrelado e não vê nada?
— Só vejo estrelinhas — murmurou o
menino.
— E acha pouco, meu filho? Você vê uma
metade do Universo e acha pouco? Pois saiba que os astrônomos passam a vida
inteira estudando as maravilhas que há nesse céu em que você só vê estrelinhas.
É que eles sabem e
você não sabe. Eles sabem ler o que está escrito no céu
— e você nem desconfia que haja um milhão de coisas escritas no céu...
— Desconfio sim, vovó, mas fico nisso.
Sou muito bobinho ainda.
— Bobinho como todos os grandes
astrônomos na sua idade, meu filho. Os maiores sábios do mundo foram bobinhos
como você, quando crianças — mas ficaram sábios com a idade, o estudo e a
meditação.
Narizinho interrompeu o tricô para
perguntar:
— Fala-se muito em sábio aqui neste
sítio, mas eu não sei, bem, bem, o que é. Conte, vovó — e retomou o tricô.
Dona Benta, quando tinha de dar uma
explicação difícil, tomava um fôlego comprido, engolia em seco e às vezes até
se assoprava resignadamente. Mas não falhava.
— Os sábios, menina, são os puxa-filas
da humanidade. A humanidade é um rebanho imenso de carneiros tangidos pelos
pastores, os quais metem a chibata nos que não andam como eles pastores querem
e tosam-lhes a lã e tiram-lhes o leite, e os vão tocando para onde convém a
eles pastores. E isso é assim por causa da extrema ignorância ou estupidez dos
carneiros. Mas entre os carneiros às vezes aparecem alguns de mais
inteligência, os
quais
aprendem mil coisas, adivinham
outras, e depois ensinam à
carneirada o que aprenderam — e desse
modo vão botando um pouco de luz dentro da escuridão daquelas cabeças. São
os sábios.
— E os pastores deixam, vovó, que esses
sábios descarneirem a carneirada estúpida? —
perguntou Pedrinho.
— Antigamente os pastores tudo faziam
para manter a carneirada na doce paz da ignorância, e para isso perseguiam os
sábios, matavam-nos, queimavam-nos em fogueiras — um horror, meu filho! Um dos
maiores sábios do mundo foi Galileu, o inventor da luneta astronômica, graças à
qual afirmou que a Terra girava em redor do Sol. Pois os pastores da época obrigaram esse carneiro sábio a engolir a sua
ciência.
— Por que, vovó?
— Porque a eles pastores convinham que a
Terra fosse fixa e centro do Universo, com tudo girando em redor dela.
— Mas por que queriam isso?
— Para não serem desmentidos, meu filho.
Como os pastores sempre haviam afirmado que era assim, se os carneiros
descobrissem que não era assim, eles pastores ficariam desmoralizados.
— Ficariam com caras de grandes burros,
que é o que eles são — berrou Emília indignada.
Dona
Benta suspirou.
— Ah, meus filhos, eu até nem gosto de
pensar no que os sábios têm sofrido pelos séculos afora... Aquela coitadinha da
Hipácia, por exemplo...
— Quem era ela, vovó? — quis saber a
menina.
— Hipácia foi uma sábia grega nascida em
Alexandria no ano 370. Não só muito culta, como de grande beleza. O pai
educou-a muito bem e depois mandou-a aperfeiçoar-se em Atenas, que era a Paris
do mundo antigo. De volta a Alexandria, Hipácia abriu uma escola onde ensinava
as grandes ideias de Sócrates e Platão. Tornou-se queridíssima do povo, sobre o
qual derramava ondas de sabedoria. Pois sabe o que aconteceu com a coitada?
— Casou-se e... — ia dizendo a Emília,
mas Narizinho tapou-lhe a boca. — Que foi, vovó?
— Mataram-na! Um grupo de capangas,
instigados por um tal Bispo Grilo, atacou-a na rua, matou-a e esquartejou-a.
Os quatro coraçõezinhos ali presentes
pulsaram de indignação. Dona Benta
Continuou:
— E a Sócrates, que foi um dos maiores iluminadores da ignorância dos
carneiros, os pastores da época obrigaram-no a beber cicuta, um veneno
horrível. E Giordano Bruno?Ah, este foi
queimado vivo numa fogueira, no ano 1600 — sabem por quê? Porque era um verdadeiro
sábio e estava iluminando demais a escuridão dos carneiros.
— Queimado vivo! — repetiu Narizinho com
cara de horror. — Eu nem consigo imaginar o que isso possa ser. Outro dia
queimei o dedo na chapa do fogão — e doeu tanto, tanto... Imagine-se agora uma
fogueira queimando a gente inteira — a pele, os olhos, o nariz, as orelhas, as
mãos, tudo, tudo... — e a menina tapou a cara como para não ver a cena.
Dona Benta deu um suspiro. [...]
Uma leitura que pode ser acompanhada pelo professor que trará elementos para compreensão destes grande nomes do passado. Monteiro Lobato chama na história a dona Benta de "Flammarion de saias", pois ela tem um conhecimento profundo pelo Universo, além de uma paixão que fica muito clara na forma que coloca os grandes avanços da humanidade, através daqueles que ousaram olhar para o céu e ver. O Pedrinho é o pequeno "Flammarionzinho", pois é o que consegue trazer a maior quantidade de informações do espaço para os outros personagens.
Uma leitura que abarca corações em todas as idades !